NERY DELGADO

Joaquim Filipe Nery da Encarnação Delgado nasceu em Elvas, em berço militar, a 26 de maio de 1835. Aos nove anos iniciou estudos no Real Colégio Militar, concluindo-os em 1850 com distinções várias. Frequentou posteriormente a Escola Politécnica, terminando o curso geral em 1853, obtendo o primeiro prémio na cadeira de Astronomia e Geodésia e na de Mineralogia, Geologia e Princípios de Metalurgia. Formou-se em engenharia na Escola do Exército e frequentou ainda o curso de minas e docimasia na Escola Politécnica, o qual concluiu em 1855, quando é despachado alferes efetivo. Em 1857, é admitido como adjunto da recém-criada Comissão Geológica da Direção-Geral dos Trabalhos Geodésicos, Corográficos, Hidrográficos e Geológicos do Reino, presidida por Carlos Ribeiro e Francisco António Pereira da Costa e mandada formar pelo rei Dom Pedro V. Este organismo tinha como função fazer o levantamento geológico do país e foi mudando de nome várias vezes. 

Nery Delgado trabalhou para estes "serviços geológicos" durante mais de 50 anos, os últimos 26 como diretor, até à sua morte em 1908. Produziu um levantamento geológico exaustivo do território e teve várias linhas de investigação, com particular destaque para a estratigrafia e paleontologia do Paleozoico. Dedicou-se com particular mérito à arqueologia e à geologia aplicada, com trabalho relevante no âmbito da prospeção mineira, hidrogeologia, construção civil de portos e caminhos-de-ferro e ainda da arborização do país, produzindo um relatório que permanece até aos dias de hoje uma obra de referência. Membro de diversas sociedades científicas estrangeiras, participou institucionalmente em Exposições Universais e efetuou visitas a diversos países europeus. Envolveu-se numa vastíssima correspondência com especialistas de todo o mundo e tornou-se um nome maior da geologia europeia na segunda metade do século XIX. Autor dos primeiros mapas geológicos de Portugal, que lhe valeram medalhas nos congressos internacionais de geologia, criou ainda importante coleção paleontológica e litológica à guarda do Museu Geológico de Lisboa.

A sua vida e obra foram cuidadosamente esmiuçadas e o seu espólio conservado e investigado de forma irrepreensível por Ana Maria Oliveira Carneiro a quem devemos a informação de que hoje dispomos de Nery Delgado. Nas palavras do geólogo António Ribeiro, Nery Delgado foi seguramente um dos maiores geólogos portugueses e a ele devemos um período áureo dos serviços geológicos de Portugal e da geologia portuguesa. Fazendo nossas as palavras dos geólogos Artur Abreu Sá, Juan Carlos Gutiérrez-Marco e José Piçarra, Nery Delgado legou à comunidade científica um espólio que é uma espécie de "pedreira científica" para o futuro. Mais de um século após a sua morte, o seu espólio permanece amplamente por estudar. Ainda hoje, o conhecimento geológico de várias regiões de Portugal é aquele que ele nos deixou e o de muitas outras tem por base o excecional trabalho por ele desenvolvido.

A sua dedicação a estes temas culminou numa obra publicada em 1908 que será sempre uma referência maior da geologia portuguesa: "Système Silurique du Portugal: Étude de Stratigraphie Paléontologique". O autor já não teve a oportunidade de a ver impressa, mas nós tivemos e temos. Sendo guia de todos os cientistas que continuaram o seu legado, queremos com este projeto homenagear Nery Delgado e contribuir para uma sociedade mais esclarecida e conhecedora deste património português, do território e da vida que nele existiu.

Terminando com palavras do geólogo Miguel de Magalhães Ramalho (1937-2021), "a vida e obra de Nery Delgado são um exemplo de dedicação, probidade, rigor e qualidade científica que poderão servir de modelos aos geocientistas e à sua intervenção na sociedade atual". É isto que pretendemos.

(Texto redigido com base em Carneiro, 2013, Leitão, 2004 e Ramalho, 2008).